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A CRUZ PÁTEA - HERÁLDICA NO FUTEBOL



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9. Cruz Pátea

Na minha opinião, aqui está o capítulo mais difícil de ser explicado. A cruz pátea, também chamada de patéia ou patada, vem do francês “pattée”, que significa “com patas”. Ela é assim chamada porque suas hastes têm as extremidades alargadas em relação ao centro, como se fossem as patas de um animal (Nouveau Larousse Illustré, t. 3, p. 418; t. 6, p. 726).

Só que há muitas formas diferentes de se alargar as hates de uma cruz. Daí que há muitas cruzes que podemos chamar de páteas, embora diferentes umas das outras – salvo no fato de ter extremidades alargadas (“patas”). Por isso, cruz pátea não é um tipo específico de cruz, mas toda uma categoria de cruzes com “patas”.

Apresentaremos a seguir algumas delas. Vamos numerar os modelos, para facilitar a explicação. Mas atenção, é uma numeração que adotei apenas para fins didáticos neste texto, não serve para outros textos.

1) A chamada “cruz orbicular” também tem hastes alargadas em relação ao centro. Aliás, não é à toa que é descrita como “cruz pátea alesada arredondada”. Já falamos dela quando tratamos das cruzes templárias, com menção aos escudos do EC Monte Mor e do CA Piranhas:

Cruz

2) A mais tradicionalmente identificada com a cruz pátea é “aquela cujos braços são ligeiramente côncavos e vão alargando para as extremidades” (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, v. 20, p. 598):

Cruz

Tanto este segundo modelo de cruz pátea quanto a cruz orbicular são desenhadas a partir de uma mesma estrutura, formada por cinco circunferências na seguinte formação:

Cruz

Basta pintar de vermelho algumas intersecções para obtermos a cruz orbicular:

Cruz

Mas se a cortarmos a circunferência central com quatro cordas, nos pontos de intersecção com as demais circunferências, teremos este segundo modelo de cruz pátea:

Cruz

É a cruz do Barra Mansa FC, de Barra Mansa (RJ):
Barra Mansa FC, de Barra Mansa (RJ)

Também é a cruz do EC Vera Cruz, de Piracicaba (SP):
EC Vera Cruz, de Piracicaba (SP)

E do Independente AC, de Tucuruí (PA):
Independente (PA)

Na minha opinião, é a cruz utilizada nos primeiros escudos da CBD. Se prestarmos atenção na evolução dos escudos da CBD e depois da CBF, podemos notar que a cruz sofreu uma sensível alteração. Nos primeiros escudos, era nitidamente uma cruz pátea do segundo modelo:

Escudos da CBD

E, finalmente, também é do segundo modelo a cruz que vem sendo utilizada nas camisas 1 e 2 do uniforme do CR Vasco da Gama (RJ):

Camisa do Vasco da Gama (RJ)

Às vezes ela é desenhada com espaços mais estreitos entre as hastes, como na bandeira abaixo, mas ainda assim é o segundo modelo da cruz pátea:

Bandeira do Vasco da Gama (RJ)

Muito ainda se discute sobre a cruz do Vasco. Vamos tentar entender a questão.

Em 1898 comemorava-se o quarto centenário da descoberta do caminho para as Índias, pelo navegador lusitano Vasco da Gama. Natural que o clube da colônia portuguesa no Rio de Janeiro escolhesse o seu nome para o clube de regatas que então se fundava. Natural, também, que fosse colocada no escudo a cruz que era oferecida aos navegantes portugueses, em reconhecimento aos seus méritos, e que as naus portuguesas ostentavam em suas velas. Só que essa cruz não era a pátea (modelo segundo) da camisa acima, mas, como já vimos no capítulo próprio, a Cruz de Cristo.

Segundo Carlos Jorge, do site www.templarsquadron.com, este modelo de cruz pátea foi o primeiro adotado pela Ordem de Cristo, a partir de 1352. Ou seja, o erro cometido na escolha do CR Vasco da Gama não foi tão grande quanto parece. Se a idéia era pegar uma cruz da Ordem de Cristo, ok, porque essa foi justamente a primeira delas. Mas se a idéia era pegar a cruz ao tempo da famosa viagem do almirante que deu nome ao clube, então realmente houve um equívoco pois, como já dissemos, a cruz nos velames das caravelas era a Cruz de Cristo tal como vimos no capítulo próprio.

3) Um terceiro modelo de cruz pátea é semelhante ao segundo, com hastes côncavas, só que de curvatura menos acentuada – portanto, composta com o auxílio de círculos de raio maior:

Cruz

Foi a cruz utilizada pelos Cavaleiros Teutônicos, que deu origem depois à Cruz de Ferro, medalha de honra militar alemã:

Cruz

É a cruz do Vera Cruz EC, de Bom Retiro (SC):
Vera Cruz de Bom Retiro (SC)

Também é a cruz do São Francisco FC, de Santarém (PA):
São Francisco FC (PA)

No livro de Paulo Gini e Rodolfo Rodrigues, podemos ver com clareza o que as fotografias antigas mostram: que a cruz do Vasco mudou com o tempo. Nesta camisa retrô do Vasco, vê-se este terceiro modelo de cruz pátea:

Camisa do Vasco (RJ)

Salvo engano, também parece ser a cruz adotada no atual escudo do Vasco:
Escudo do Vasco da Gama (RJ)

Por conseqüência, também na SE Vasco da Gama, de Guarulhos (SP):
Escudo do Vasco de Guarulhos (SP)

4) Num quarto modelo de cruz pátea, as partes internas das hastes, em vez de côncavas, como as até agora vistas, são formadas por linhas retas. Como, pela definição de cruz pátea, são mais largas nas extremidades, isso significa que, neste modelo, as hastes possuem um formato triangular:

Cruz

Há quem considere esse modelo uma variante da Cruz de Malta. Realmente, elas são semelhantes. A diferença é que, como vimos, na Cruz de Malta, as extremidades são “duplamente aguçadas”, i.e., se dividem em duas pontas. Vejam que ela está presente neste pálio do papa Bento XVI:

Papa Bento XVI

No futebol, este quarto modelo de cruz pátea é o utilizado no escudo da União Vasco da Gama FC, de São Paulo (SP):
Vasco da Gama FC, de São Paulo

Salvo engano, também é a cruz presente no escudo do Codó FC (MA):
Codó FC (MA)

5) Um quinto modelo de cruz pátea é semelhante ao quarto, só que o espaço entre as hastes triangulares é bem mais estreito:

Cruz

A Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo-Americana (t. 16, p. 613 e 620) chama este quinto modelo de “cruz teutônica”, apesar de outras fontes darem à cruz teutônica um formato bem diferente.

É o escudo da AD Angatubense, de Angatuba (SP):
AD Angatubense, de São Paulo

Também do Independente AC, de Marambaia (PA):
Independente AC, de Marambaia (PA)

Também é o escudo do Henrique Lage FC, da cidade de Lauro Müller (SC):
Henrique Lage FC, da cidade de Lauro Müller (SC)

Neste último caso, posso arriscar uma explicação. Segundo Emerson Gasperin e Zé Dassilva, o clube catarinense foi fundado em 01.01.1924 com o nome do dono da Companhia Nacional de Mineração de Carvão Barro Branco. O detalhe é que, nessa época, Henrique Lage também era Diretor-Presidente da já citada Companhia Nacional de Navegação Costeira, que tinha por emblema uma cruz pátea dourada, que ostentava nas chaminés pretas dos navios da frota. Na realidade, essa cruz tinha grande importância para a própria Organização Lage, tanto que, em 1945, essa holding chegou a lançar uma medalha honorífica que identificou, erroneamente, como uma Cruz de Malta (cf. Poliano, p. 345-6).

Como vimos, nem toda cruz pátea é parecida uma com a outra, há vários formatos e variantes possíveis. Pois ao ver fotos antigas de navios da Costeira, constata-se que o formato da cruz utilizada em suas chaminés é muito parecido com o da cruz adotada na bandeira do Vasco, que se parece com a “teutônica”. Então, parece clara a relação entre o escudo do Henrique Lage FC e o emblema da Costeira, que surgiu primeiro.

A dúvida que me ocorre é: será que houve alguma influência entre o Vasco e a Companhia Costeira? Não consegui resposta a essa questão. O Vasco, já dissemos, foi fundado em 1898. A Costeira, antes: em 1891. Também no Rio de Janeiro. Seria interessante encontrar alguma foto anterior a 1898. A foto mais antiga e datada publicada no livro de Gerodetti e Cornejo é de 1905 e o navio já tinha a cruz pátea. Há outra foto que parece ser anterior e sem a cruz pátea, mas é que o navio já estava incorporado à Marinha de Guerra, ou seja, não conta.

Tem mais: a Costeira foi fundada pelos irmãos Antonio Martins Lage Filho e Roberto Lage. Eles eram filhos do Comendador Antonio Martins Lage, sócio do Comendador Joaquim de Mattos Costa, “que transferiu de Portugal para o Brasil a sede da sua linha de navegação transatlântica, a qual servia portos das Índias Inglesas e da costa africana” (cf. Gerodetti e Cornejo). Eu poderia apostar que ambos os Comendadores eram portugueses. Talvez os irmãos Lage não fossem ligados ao Vasco, mas provavelmente à colônia portuguesa no Rio. E talvez a cruz na chaminé tivesse origem nessa linha de navegação portuguesa.

Quando o Vasco foi fundado, a Costeira já tinha uma grande frota, composta por quinze vapores mais quatro navios menores. Considerando que a sede da empresa era no Rio, era bastante provável que fossem vistos com freqüência pelos remadores do Vasco. Se os navios da Costeira já usavam a cruz pátea na chaminé, pode ser que tenham influenciado no desenho adotado pelos vascaínos. O que não se explica é como a companhia portuguesa e a brasileira foram adotar a cruz pátea, que não era a das caravelas.

Vamos complicar um pouco? Ao contrário da cruz “teutônica” das chaminés, no centro do logotipo da Costeira tem uma cruz pátea de desenho mais assemelhado à da Cruz de Malta mesmo! Como foi a evolução do desenho de uma para outra, bem assim a inspiração de ambas e a eventual conexão com o Vasco, isso tudo ainda está por esclarecer.

6) No sexto modelo de cruz pátea, as hastes são formadas por linhas que partem retas e paralelas do centro, mas próximo às extremidades elas se afastam numa curva côncava:

Cruz Heráldica

É o modelo utilizado no escudo do EC Santa Cruz, de Tietê (SP):
EC Santa Cruz, de Tietê (SP)

7) Por fim, o sétimo e último modelo de cruz pátea, que escolhemos para apresentar neste estudo, é semelhante ao sexto, começando com linhas retas paralelas partindo do centro. Só que, em vez de as linhas das hastes, nas extremidades, se afastarem em curva, se afastam em linha reta, formando trapézios.

Cruz Heráldica

Vejam que ela tem o perímetro da Cruz de Cristo, só que não é vazada por uma cruz grega branca. Então, a rigor, não é exatamente a Cruz de Cristo.

Alguns clubes usam-na vermelha, como a Cruz de Cristo. Neste caso, só falta mesmo a cruz grega branca. P.ex., a Tuna Luso Brasileira, de Belém (PA), cuja evolução dos escudos vemos abaixo (obs.: interessante que, assim como faz o Vasco da Gama, a Tuna Luso também insiste em dizer que sua cruz é a de Malta, para o que invoca a memória das Cruzadas e das grandes navegações portuguesas):

Escudos da Tuna Luso (PA)

Outro exemplo é o Luso SC, de Manaus (AM), atrás da esfera armilar:
Luso SC (AM)

Esse escudo do Luso, último time da colônia lusitana que citaremos aqui, nos faz perguntar se o leitor não percebeu a ausência da AA Portuguesa carioca neste nosso estudo. De fato, como vimos, a grande maioria dos clubes de imigrantes portugueses é simbolizado por uma cruz. A Portuguesa da Ilha do Governador, em vez disso, apresenta – bem discretamente – uma esfera armilar, atrás das iniciais AAP (segundo Adolpho Schermann, é apenas uma bola, representativa do esporte principal do clube):

Portuguesa da Ilha do Governador

Outro exemplo do sétimo modelo de cruz pátea é do próprio Vasco. Vejam abaixo como era na camisa de Paulinho Almeida, em 1960:
Paulinho de Almeida em 1960

Um último exemplo de cruz pátea vermelha, do nosso sétimo modelo (falsa Cruz de Cristo), é do escudo do Tomazinho FC (RJ):
Tomazinho FC (RJ)

Notar que o espaço entre as hastes, no escudo do Tomazinho, é bem estreito. Ainda assim, porém, as hastes não são triangulares (como na cruz “teutônica”), nem as linhas são curvas (como na cruz da bandeira vascaína).

Mas também há exemplos em que essa cruz do sétimo modelo nem sequer tem a cor vermelha da Cruz de Cristo. P.ex., no escudo do SC São José (RJ):
SC São José (RJ)

Como vimos, os primeiros CBD tinham uma cruz pátea do segundo modelo. No entanto, a partir de 1960, ela passou a ter o formato de uma Cruz de Cristo, porém branca, não vermelha nem vazada por uma cruz grega. Então, passou a ser uma cruz pátea do sétimo modelo:

CBD
Escudo da CBD a partir de 1960

Escudo atual da CBF
Escudo atual da CBF.

O mesmo juízo é aplicável aos clubes que adotaram escudos visivelmente inspirados nos da CBD e CBF, p.ex., os seguintes clubes do interior paulista: AA Uraniense, de Urânia, EC Produtos Cachoeira, de Itu, e CA Lençoense, de Lençóis Paulista:

AA Uraniense (SP)
Escudo da AA Uraniense, de Urânia (SP).

EC Produtos Cachoeira (SP)
Escudo do EC Produtos Cachoeira, de Itu (SP).

Lençoense (SP)
Escudo do CA Lençoense, de Lençóis Paulista (SP).

EC São José (RJ)
Escudo do EC São José (RJ).


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