Lembro-me bem de uma viagem que fiz ao Paraguai durante a adolescência. Além de conhecer as belezas naturais de Foz do Iguaçu, aproveitei para comprar alguns presentes, como perfumes, fitas TDK (era a época do cassete) e latas de cerveja importadas. Nas ruas, a quantidade de camelôs era impressionante. Infelizmente, temos uma imagem pouco lisonjeira dos produtos vindos do Paraguai. Usa-se o termo “cavalo paraguaio”, por exemplo, para menosprezar um concorrente tido como enganoso, de pouco valor. Trata-se de um preconceito, pois sabemos do espírito trabalhador e honesto do país vizinho. Sempre pujante em nosso continente, o futebol também teve ao longo da história riquíssimos personagens nascidos em solo guarani.

Quando começou a Guerra do Chaco entre Paraguai e Bolívia em 1932, um jovem de nome Arsenio Erico desempenhava com vigor o rolo de marcador de ponta na equipe do Nacional de Assunção. Seu futebol vistoso fez com que ele fosse convidado a participar da equipe da Cruz Vermelha, que realizava amistosos para arrecadar fundos em prol das vítimas do conflito. Foi assim que Arsenio foi jogar em Buenos Aires, sendo rapidamente contratado pelo Independiente. Passou então a atuar como centroavante. Começava a ser forjada a lenda daquele que seria o maior goleador da história do Campeonato Argentino até hoje. Acrobático, Arsenio era um equilibrista que executava jogadas luxuosas e toques de calcanhar na confecção de seus gols. A sua impulsão era fatal para os goleiros, daí sua alcunha de “el trampolin invisible”. Dessa forma, e graças à cumplicidade de craques como Vicente De la Mata e Antonio Sastre, o clube de Avellaneda levantou a taça em 38 e 39. Outra virtude desse notável esportista era o seu altruísmo e desapego ao dinheiro. “El Saltarín Rojo”, como também era chamado, recusava regalias e paparicos em hotéis e restaurantes. Para ele, o jogador de futebol era uma pessoa comum, e não um astro. Ídolo de Alfredo Di Stéfano, Arsenio Erico era o típico jogador de todas as torcidas, que com seu estilo espetacular fazia valer o ingresso do jogo. Segundo o jornalista Sindulfo Martínez, “ningún otro jugador hizo temblar tantas veces el duro cemento de los estadios ni la fibra apasionada de las muchedumbres”.
Aqui no Brasil igualmente tivemos ótimos exemplos de destreza e caráter em atletas paraguaios. No Flamengo militou Reyes, um zagueiro de raça aliada à sutileza, como costuma acontecer com os virtuoses da posição. Embora fosse um meio campista quando chegou ao clube carioca, Reyes nunca esmoreceu em sua nova tarefa, anulando os ataques rivais com seu jogo de antecipação e desarmes certeiros. Campeão estadual com o rubro-negro em 72, Francisco Reyes foi vítima de uma doença fatal, desaparecendo prematuramente.

Passariam alguns anos até que surgisse um novo talento da terra da guarânia em relvados cariocas. O Fluminense já vinha fazendo uma bela campanha no Campeonato Brasileiro de 84 quando chegou Romerito, oriundo do Cosmos de Nova Iorque. Romerito era um velho conhecido do torcedor brasileiro. Durante a Copa América de 79, ele havia deixado a sua marca em uma partida decisiva no Maracanã, ajudando o Paraguai a eliminar a nossa seleção. Agora, com a camisa do Flu, ele seria uma peça importante para a conquista do título nacional. O tricolor tinha em suas fileiras jovens valores, como o zagueiro Ricardo Gomes e o lateral Branco, além da famosa dupla Washington e Assis, apelidada de “Casal 20”. Na série final contra o Vasco, Romerito marcou o gol do título, provando ser um predestinado em sua passagem pelo clube das Laranjeiras.
Avançando ainda mais no tempo, precisamente no ano de 95, desabrochou no Internacional gaúcho o futebol inigualável de Carlos Alberto Gamarra. Os aficionados colorados não tardaram em classificar o zagueiro como o sucessor de Figueroa. Desempenhando seu ofício com classe estarrecedora, Gamarra ficou famoso durante a Copa da França de 98, quando, atuando pela seleção de seu país, não cometeu nenhuma falta. Na ocasião, o escrete guarani foi eliminado nas oitavas de final pelos donos da casa, graças ao chamado “gol de ouro”. No Inter, esse verdadeiro puro sangue dos gramados escreveu seu nome com letras maiúsculas, mostrando que a têmpera paraguaia tem um valor inestimável também na prática esportiva.